Eros e Psiquê: uma jornada de autoconhecimento

Por Ana Martins

28/06/2017

O ser humano desenvolveu vários caminhos para conhecer e entender a si mesmo e o mundo em que está inserido. Os mitos, por exemplo, são uma dessas via de entendimento, assim como a religião, a filosofia e a ciência. Relatos de tradição oral criados na antiguidade, os mitos tinham como objetivo passar às novas gerações ensinamentos sobre o caminho existencial da humanidade por meio das dimensões imaginária e simbólica. Mas qual é a contribuição de um relato da antiguidade para os desafios da vida contemporânea? Relatos fantásticos, como o dos Argonautas ou dos trabalhos de Hércules, não caberiam como orientadores de regras e condutas sociais. No entanto, são de significativa contribuição para os dilemas existenciais da humanidade, servindo como mapas para as arquetípicas jornadas empreendidas por todos nós, na busca por sentido, por liberdade e por amor.

Um exemplo é o mito de Eros e Psiquê, que relata a odisseia de uma jovem na reconquista do ser amado. Superficialmente é uma história de amor, no entanto, a narrativa e seus personagens são um encantamento que abrem gentilmente as portas da racionalidade para um mundo de ensinamentos arquetípicos. Leia o mito aqui.

Nesse mito, a jovem Psiquê é resgatada por Eros, o deus do amor, e vive com ele feliz em seu castelo. No entanto, não é permitido que a moça veja seu amante, sempre encoberto pela escuridão da noite. Nessa mesma maravilhosa cegueira vivemos nós, os apaixonados contemporâneos. Encantados pelo amor, não enxergamos nossos parceiros e ficamos cativos de uma conjugalidade assimétrica, onde o outro é a realização de nosso desejo. Projetamos na pessoa amada o enredo de amor que aprendemos em nossas famílias e esperamos passivamente que esse encontro seja o bálsamo para nossas feridas e angústias.

Psique observa Eros dormindo

Mas Psiquê tem a curiosidade aguçada por suas invejosas irmãs e rompe o pacto com seu amante ao acender uma pequena lamparina no quarto do casal. Após um período de êxtase, algo destrutivo dentro de nós também se agita. E a assimetria relacional é revelada, seja pela insegurança que nos invade, alimentando o controle e o ciúme, seja pela raiva, que desqualifica e destrói a imagem amada. Nesse momento, arriscamo-nos a perguntar quem é essa pessoa que amamos. Quando a dúvida penetra no palácio do amor, o encanto se desfaz e nos descobrimos sós, tristes e desesperados como Psiquê.

Psiquê inicia, nesse ponto, sua solitária jornada para recuperar o amor. A cada nova tarefa, ela se desespera com suas limitações e, auxiliada por seres da natureza, surpreende-se com os desfechos favoráveis. Aqui, se decidirmos enfrentar a estreita senda do autoconhecimento, também descobriremos as tarefas hercúleas necessárias ao crescimento, assumindo, por meio dessas, a responsabilidade pela construção de uma ponte que nos leve ao encontro do outro. A busca consciente pelo amor implica em um esforço para além de nossas percepções infantis. Pode ser que tenhamos que organizar a bagunça de nossos afetos, aproximar-nos de nossa raiva ou reconhecer a fonte de nossos medos. As tarefas são singulares e o auxílio virá de lugares que não esperamos dentro de nós. Por fim, cabe-nos descer ao submundo de nossa psique, trilhando um caminho do qual não voltaremos os mesmos.

Como Eros no resgate de Psiquê, o amor ressurge quando já estamos exaustos e perdemos as últimas certezas. E nesse momento, transformados, podemos olhar a pessoa amada nos olhos e viver o prazer nascido desse encontro.

Imagens:

Le ravissement de Psyché / The abduction of Psyche (1895), de William-Adolphe Bouguereau.

Psyché et l’Amour endormi (+/- 1636), de Peter Paul Rubens.

Fonte: Wikimedia Commons.

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