Por Juliana dos Santos Soares
14/07/2011
“O entendimento é o substituto do risco”
Antonio Gámiz, Psicoterapeuta espanhol
Por que eu me sinto dessa forma? Isso que sinto é tão estranho… É permitido? É válido? Faz algum sentido? É normal? Será que outras pessoas também são assim? Às vezes me vem uma vontade de chorar, mas acredito que não posso fazê-lo em público; por que sinto essa vontade? De onde vem isso?
Esses são questionamentos que já escutei inúmeras vezes em processos terapêuticos. Pertencem a um contexto específico, afinal a Psicoterapia é o cenário do entendimento interno, mas a maioria de nós já se flagrou com questionamentos semelhantes, nas mais diferentes situações. Há aí uma grande sede de autoconhecimento.
Tudo bem, isso é muito válido e louvável. Afinal a sabedoria socrática nos aconselha há centenas de anos: “Conhece-te a ti mesmo”. Esse é o verdadeiro caminho do crescimento. Entretanto, se uma pessoa percorre esse caminho apenas pela trilha das ideias, do entendimento racional de como funciona, isso pode se tornar contraproducente – a pessoa conhece cada vez menos de si. O apego à compreensão pode, de forma paradoxal, dificultar o seu contato com o mundo externo – afinal a pessoa está mergulhada em seus pensamentos e assim não entra em relação plena com o mundo ao seu redor – e também com seu mundo interno – pois não somos seres apenas mentais, mas também emocionais e instintivos. Novamente citarei Eduardo Galeano, sobre quem postei Aqui: “Me interessa a sabedoria que combina o cérebro com as tripas”. Somos tudo isso – cérebro, tripas, emoções e sentimentos, e tudo isso tem o seu valor.
Assim, se queremos nos conhecer de verdade um bom caminho é estarmos conscientes não apenas daquilo que acontece em nossa mente, nossos pensamentos, julgamentos e compreensões, mas também daquilo que se passa com nosso corpo: o ritmo da nossa respiração, a forma como esse corpo está no momento, as tensões presentes, as sensações de uma forma geral. E também dos nossos sentimentos, sem nenhuma análise sobre certo ou errado, adequado ou inadequado: apenas entrarmos em contato com o que somos, como somos. Simplesmente (e nem sempre isso é simples) respirar e prestar atenção.
Essa experiência nem sempre parece agradável, porque pode levar a um mundo de sentimentos e sensações desconhecidos, de coisas não-postuladas e por isso muito arriscadas de se viver, por não estarem sob o nosso controle. É como em Alice no País das Maravilhas, clássico de Lewis Carroll, em que Alice mergulha nesse reino do seu interior e é revirada, cresce, encolhe, enfim, desvenda esse horizonte e é desvendada por si mesma. Na recente versão para o cinema de Tim Burton (2010) há uma fala muito significativa: “Existe um lugar como nenhum outro no planeta. Uma terra cheia de maravilhas, mistérios e perigo. Dizem que para sobreviver nesse lugar você precisa ser tão louco como um chapeleiro”.
É assim que acontece: “O entendimento é o substituto do risco”… Protege-nos dele, nos deixa mais seguros. Sem dúvidas precisamos do entendimento, bem como da segurança e do controle – numa certa medida. Mas um pouco de risco – e ouso dizer, de loucura –, quando bem equilibrados com a compreensão, só podem nos levar mais longe no nosso crescimento.