Entre a coisificação e a esperança: análise do filme Preciosa

 

Por Érico Douglas Vieira

31/08/2011

Este artigo pretende realizar uma análise do filme Preciosa – Uma História de Esperança(2009). O filme parece-nos relevante por mostrar um drama de uma adolescente que corresponde a um triste retrato do que ocorre com inúmeras outras crianças e adolescentes.  A protagonista do filme Claireece Precious Jones, conhecida como Preciosa tem dezesseis anos, é obesa, negra, pobre e semi-analfabeta, vivendo situações extremas de abuso e violência dentro de casa. Sua mãe comete repetidos atos de violências física e psicológica: ela arremessa objetos, diz que Preciosa nunca será capaz de ser alguém na vida, força Preciosa a comer grandes quantidades de comida  e permite que seu companheiro, o pai de Preciosa, abuse dela sexualmente. Preciosa já tinha um filho fruto desses estupros e, no momento retratado pela trama, ela está grávida do segundo filho.

Antes de iniciar o filme, uma frase é veiculada: “Tudo é uma dádiva do universo”. Frase que contrasta com o que vem a seguir. Na primeira cena, Preciosa se imagina recebendo um lenço vermelho de uma mulher vestida como se fosse uma fada madrinha. Preciosa carrega consigo um lenço vermelho em quase todo o filme. Talvez o lenço simbolize a esperança que ela tinha de sair de uma vida opressiva. Começa, então, a trama, retratando a casa de Preciosa com cenas nas quais ela sofre inúmeros atos de violência vindos dos pais. Nestas cenas com cores escuras e embaçadas, a atmosfera é densa, opressiva, as cortinas da casa estão sempre fechadas deixando transparecer um contexto de isolamento no qual a violência e a coisificação do outro não têm freio. Uma sequência de cenas fortes: Preciosa está cozinhando de costas para a mãe e esta lhe arremessa um objeto pesado na cabeça, sem motivo algum. Ela cai no chão e se lembra de uma cena na qual o pai, com o corpo suado, a estupra dizendo: “Papai te ama”. Um detalhe importante mostra a mãe assistindo o estupro da porta do quarto sem nada fazer. Em todos os momentos insuportáveis como este, Preciosa se imagina em cenas grandiosas, nas quais ela é uma celebridade. Neste momento, por exemplo, ela se imagina uma estrela de cinema desfilando num tapete vermelho, sendo assediada por fotógrafos e repórteres. Ela se transporta para uma situação na qual tem importância, é reconhecida e admirada pelas pessoas como forma de suportar a realidade na qual ela é apenas um objeto para satisfação dos desejos dos outros.

Então, começa um novo dia. Preciosa pensa: “Ontem eu chorei. É por isso que Deus, seja lá quem for, faz outros dias”. A partir daí uma mudança se inicia quando Preciosa começa a frequentar a escola alternativa. Quando ela entra para a sala de aula no primeiro dia, a cena fica iluminada com cores vibrantes em contraste com a atmosfera opressiva de casa. Preciosa se apresenta e diz que é a primeira vez que fala numa sala de aula e a professora Blu Rain pergunta a ela como se sente. Preciosa responde: “Isto me faz sentir aqui”. A relação da professora Rain com Preciosa é de extrema valia para que esta comece a se fortalecer e a pensar em novas perspectivas para a sua vida. Preciosa diz: “Minha mãe diz que a escola não presta. Ela está enganada. Eu estou aprendendo”. Preciosa pensa nos filhos e começa a ter vontade de ser uma boa mãe e transmitir coisas positivas para eles. Ela vê na TV um discurso de Martin Luther King (“Eu ainda tenho um sonho”) e diz que tem vontade de ensinar isto aos filhos. Enquanto está grávida do segundo filho diz: “Ouça bebê, a mamãe não é idiota”. Preciosa consegue aos poucos se libertar da relação de dominação com a mãe. Depois que nasce seu segundo filho, ela enfrenta a mãe e sai de casa, passando uma temporada na casa da professora Rain. Esta mora com sua companheira e, quando Preciosa é acolhida pelas duas pensa: “Porque pessoas que mal me conhecem são mais legais comigo do que meus pais? Mamãe diz que os homossexuais são gente ruim. Mamãe: os homossexuais não me violentaram!”

Depois Preciosa vai para um abrigo dizendo que lá era um meio termo entre a velha vida e a outra vida onde queria estar. Ela ganha um prêmio de alfabetização. Em seguida, fica sabendo que o pai morreu de Aids, ela faz os exames e descobre que é soropositiva. Ela diz que morrer não a preocupa e que está preocupada em como vai criar os seus filhos. Há uma próxima cena na qual ela passa o seu lenço vermelho para uma menina que morava no mesmo prédio que ela e que estava com marcas de agressão. Na última cena, Preciosa diz a assistente social que esta não pode dar conta dela. Ela sai andando pelas ruas com seus dois filhos, com um semblante confiante, demonstrando o poder de superação que todos temos, mesmo em condições adversas. O filme termina com a dedicatória: “Para todas as garotas preciosas do mundo”.

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