Por Juliana dos Santos Soares
14/07/2017
Existe um discurso muito insistente hoje, em nossa cultura, de que não devemos criar expectativas. De que é melhor se surpreender com o que a vida pode te trazer “de surpresa” do que se frustrar com expectativas não-satisfeitas. E eu acho esse um tremendo papo furado. Mais do que isso, me preocupa ouvir e ver pessoas se direcionando por esse tipo de ideia e tornando-se cada vez mais intolerantes à frustração, encontrando-se perdidas quando as coisas não saem conforme o esperado.
Fato: não há como não criar expectativas. O sentido dessa palavra vem de esperar. A expectativa nasce, em nós, do mesmo lugar onde nascem a esperança, o sonho, os projetos. O lugar da fantasia, um lugar saudável e bonito, que nos faz querer que as coisas sejam melhores. E fantasiar é um atributo de todos nós, seres humanos. Não há como não fazer.
Deixe-me, aqui, fazer uma leitura bem psicológica sobre o assunto.
A brecha entre a fantasia e a realidade
Jacob Levy Moreno, o pai do Psicodrama, considera que num primeiro momento do desenvolvimento humano o bebê não consegue diferenciar entre o que é real e o que é imaginário – tudo é uma coisa só. Um ponto determinante desse desenvolvimento é aquele em que tudo isso que está indiferenciado começa a se decompor em fantasia e realidade. Ele postula ainda que a saúde mental está ligada a saber transitar entre esses dois “mundos”, discernindo o que é da fantasia e o que é real, e estabelecendo diálogos entre os dois.
Pois bem. As expectativas pertencem ao mundo da fantasia. E nós fantasiamos. Ponto.
A questão, aqui, é saber lidar com elas e com as possíveis frustrações que vêm daí. Porque quando esperamos que algo vá acontecer, isso não leva automaticamente ao acontecimento desse algo e assim, criar expectativas é, sim, ter que lidar com a possível alegria da realização ou com a possível frustração. Mas isso é da vida e sempre foi.
Alguns pontos importantes ao lidar com expectativas e frustrações:
- Conhecer bem as suas expectativas. Ter conhecimento de que tipo de coisa você espera das situações e pessoas ao seu redor. Assim você se apropria delas, sabe que são as suas esperanças, uma criação sua. E assim fica mais fácil se lembrar de que o mundo e as pessoas não têm nenhuma obrigação de atendê-las.
- Confrontar as expectativas com a realidade. Elas são realistas? Há possibilidade de trabalhar para que elas se concretizem? Isso está ao seu alcance? Depende apenas de você ou também de outras pessoas ou circunstâncias?
- Desenvolver flexibilidade. Como eu disse mais acima, as expectativas nascem do mesmo lugar onde nascem os sonhos e planos. E planos servem para nos orientar rumo a um objetivo, e não para nos escravizar. Se a coisa não saiu exatamente da forma como você esperava, é importante saber aceitar os acontecimentos e, de repente, mudar a rota. Rumo ao mesmo objetivo ou mesmo rumo a outros.
- Saber lidar com a frustração. Se frustrar dói. Muitas vezes dói muito. Eu sei, já senti essa dor algumas vezes. Mas na maior parte das vezes nós não sucumbimos a ela. E normalmente há algo que podemos aprender, a respeito de nós mesmas e/ou da vida nessas ocasiões.
- A respeito desses possíveis aprendizados vindos da frustração, sugiro um exercício reflexivo: O que aconteceu (ou não aconteceu) que te frustou dessa maneira? Existe um padrão repetitivo aí (algo que se repete na sua vida e te frustra continuamente)? O que você precisa resolver consigo mesma, mas espera ver resolvido quando algo (a razão da sua expectativa) acontecer?
Entrar nessa reflexão vai exigir que você sustente ficar consigo, com a dor que está sentindo, com o vazio que muitas vezes se instala quando estamos frustradas. Repito, não é fácil. Algumas vezes, de tão tomadas pela dor nós não conseguimos enxergar as coisas com clareza. Mas é possível. É uma questão de desenvolver uma tolerância, à qual nossa cultura não nos estimula. Se estiver muito difícil sozinha, considere a possibilidade de buscar ajuda profissional.
Mas, por favor, não entre nessa de deixar de querer as coisas para não se frustrar.
Obs.: Eu me importo com questões de gênero, inclusive quando escrevo. Por isso, quando me refiro a pessoas eu escrevo no feminino. Mas esse texto serve para pessoas de todos os gêneros.
Imagens: Pixabay e Flickr
Gostei muito do texto acima e concordo plenamente no sentido de que temos que aprender a lidar com as frustrações, ao invés de evitá-las.
Legal, Rosália. Muito grata por compartilhar seu ponto de vista!