A esperança, a desesperança e a menosesperança

Por Sérgio Condé*

17/01/2012

A propósito de uma urgência de encontrar-se um companheiro em uma idade onde o “ainda-não-casamento” já começa o seu tempo de validade vencida, uma certa “jovem” lamentava-se, buscando o sentido para a sua solidão.

De sua caixa de Pandora já havia retirado incontáveis desacertos, abandonos, promessas não cumpridas, usos e abusos, recuos medrosos diante o compromisso e toda sorte de misérias e mesquinharias que corroeram-lhe a esperança. Mas no seu caso a Esperança não fora a última a sair da caixa, como no mito, mas nasceu prematura e imperfeita, junto com as outras misérias humanas na forma de Expectativa. Enquanto a sadia Esperança, sabemos, é a última que morre e a última também a sair da caixa em tempo de maturação, a Expectativa é uma irmã da Precipitação, convite perene à Frustração, que por sua vez é a melhor amiga da Carência. Quando todas elas se juntam para conspirar em um coração imaturo, um coração em busca de encontrar uma resposta para a sua falta, promovem ao final de um bom tempo, a ilusão da Desesperança.

A Desesperança no caso da jovem buscadora, encontrara uma aliada na “Culpa de dedo em riste” que então responsabilizava a jovem por sua inadequação, de também não ser amável e sincera, ou de não ser digna de receber do Destino, a máscara de Deus, o presente do casamento feliz, ilusão da coisa pronta, padrão de filme romântico, programa do inconsciente coletivo, castelo das ilusões.

Alguém sábio lhe disse, que deveria em vez de desesperar, buscar desiludir. Mas que apenas isto não bastava para substituir em seu coração a esperança. Serviria, no entanto, para amadurecê-lo um tanto. Aconselhou-lhe o sábio, trilhar além disso, a ponte da Menosesperança.

– Mas o que é isto?! disse ela assustada com um conceito tão desconhecido para alguém que já tentara de tudo.

– A Menosesperança, disse o sábio, é aquilo que só nos acontece quando menos se espera! Na verdade não é o que nos acontece e sim o estado de espírito anterior ao acontecimento, a atitude de menos esperar. Um estado sem desejo e sem aversão, sem lenço e sem documento, um estar a toa na vida, o lugar de onde emerge o assobio, um vazio que sopra desinteressado a música descontraída do estar simplesmente presente à vida. Este é o lugar de esperar com encantamento o desdobrar do sempre novo acontecer.

“Sem lenço”, sem precauções com relação ao passado que se pressupõe repetir-se, prisão circular que norteia a percepção ilusória do medo.

“Sem documento”, sem o atestado de ser sempre o mesmo. O documento que é um retrato de um conceito carimbado, identidade de uma idade morta que se fixou ao presente e que deve carregar agora como desde sempre, algo vindo de lá que impede de estar aqui por inteiro. Oferece o atestado de assegurar-se ser sempre o mesmo a alguém que assim evita a dúvida que toda ilusão evoca. Pois é aí que se paga um preço alto: Permanecer sem direito a mudar, voar e navegar. Imposto que justo incide quando se tenta extrapolar as fronteiras do conhecido em nós onde os guardiões da culpa e do medo nos dão certeza de se estar seguro e em casa. Estar “sem documentos” é poder ser sempre novo e ver o mundo com seus encantamentos, e para isso é preciso se estar livre.

Estar “a toa na vida” é um estado de a-tenção (sem tenção) no presente, um estado de gratuidade, de criança brincando esquecida de si e de seu passado, que em vez de sentir seu vazio carencial, abre-se para receber a gratuidade e a Graça que sempre estiveram aqui, no eterno e terno agora.

A jovem admirada e como sempre em busca da magia, disse:

– Mas é assim tão simples, uma mera questão de escolha, de querer e pronto?… E se eu conseguir caminhar assim tão leve, será que o destino vai conspirar a favor e trazer nas asas do acaso um companheiro para mim?

Respondeu-lhe o sábio: – A Menosesperança ajuda a ser feliz mesmo só, e na solidão boa, que é aquela em que se está consigo mesmo. Aí então nasce a Alegria e a Esperança: a alegria de saber esperar calmamente, sem carência, sem culpa e sem desespero. O único problema é que este estado, uma vez conquistado, atrai muitos pretendentes carentes e desesperados, e estes pretendentes vão jurar que só você pode ser a solução para a solidão ruim que os assola, que é aquela dos que abandonaram a si mesmos. Mas quem sabe, entre os pretendentes apareça alguém que já tenha pelo menos perdido as suas ilusões, seu lenço, medos e precauções… Aí então, é só verificar que esta peça rara entre os homens não tenha perdido, de forma alguma, “aqueles” documentos!

 

*Sérgio Condé é terapeuta com formação em Psicossíntese, Bioenergética e Eneagrama. Possui ampla experiência com o I Ching e procura integrar a sabedoria deste antigo oráculo chinês a vivências intensivas, individuais e em grupo, voltadas para a criatividade e o autoconhecimento. Além de ser um bom amigo. E-mail:sergioiching@gmail.com

2 comentários em “A esperança, a desesperança e a menosesperança

  1. Gostei muito do esclarecimento,foi de grande valia pra mim q passo por esse momento. Foi indicado pela minha psicóloga q me ajuda muito. Obrigada e continue sendo feliz a ajudando os outros a encontrarem a felicidade. Bjs

    1. Oi, Sônia. Que alegria receber o seu retorno! Compartilhar o que pensamos (ou, nesse caso, o que um bom amigo e colega pensa) tem como objetivo fazer chegar algo de bom às pessoas. Fico realmente feliz que esse objetivo tenha se cumprido com você. Muito grata por compartilhar! Beijos

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