Por Juliana dos Santos Soares
15/12/2020
Se tem uma coisa que causa sofrimento no ser humano é o momento do fim. Seja pela morte do corpo, seja pelo fim dos ciclos de vida, esse é um tema sobre o qual muito se fala, muito se chora, muito se comove, muitas horas de psicoterapia se consomem. E pouco se aceita, como algo natural da nossa existência. Precisamos olhar mais, e falar mais, sobre o fim, para integrá-lo de forma mais saudável aos ciclos da vida. Foi com essa intenção que propus a vivência online “Partir, andar”: o momento do fim, para fechar a jornada sobre relacionamentos amorosos Encontros & Desencontros. E é com a intenção de registrar um pouco dessas reflexões que te convido para essa leitura.
Todo relacionamento está fadado a terminar. Essa é uma afirmação amarga, para a qual a maioria de nós não gosta nem de olhar. E não gostamos porque mantemos em nossa mente aquela ideia de “Felizes para sempre” das histórias românticas. De que um relacionamento que termina “deu errado”. Nos apetecem muito mais os começos, as conquistas, o doce sabor de encontrar aquela pessoa especial e começar uma linda história. E aí não costumamos refletir (e nem nos preparar) para as diferentes e subsequentes fases do relacionamento, cada uma com seus desafios; para as diversas faces com as quais o amor se apresenta. E entre essas faces e fases, sim, está o fim. Seja por separação – algo que é muito comum –, seja pela morte de alguma das pessoas envolvidas.
O que quero dizer ao propor que olhemos para o fim
A ideia, aqui, não é fazer um “manual de como se separar bem”, e nem estimular as separações. Mas propor algumas reflexões que possam nos ajudar a viver melhor os fins de relacionamento que já acontecem na nossa vida; poder lidar com os sentimentos envolvidos e com o que precisa (ou não precisa) ser feito de uma forma mais saudável e respeitosa, consigo, com a própria imagem e história, e com a outra pessoa.
Segue então, alguns pontos para desenvolvermos um olhar mais amoroso para esse momento:
- Buscar discernir o que se está sentindo. O fim do relacionamento dói. Gera sofrimento. Aliás, sofrimentos, no plural. Pode haver a dor de não conviver mais com a pessoa, a quebra dos sonhos e expectativas que foram alimentados durante algum tempo, o sentimento de fracasso por ter “dado errado”, a dor de sentir-se rejeitada/o pela outra pessoa, ou ainda de ter sido quem não quer mais estar junto, a solidão, há todas as questões individuais, de autoimagem e autoestima, que vão muito além dessa relação, mas que podem ser estimuladas pelo fim. E pode haver muitas outras questões, diferentes dessas. Tudo junto, embolado. Poder olhar para si e discernir os sentimentos e emoções ajuda muito a se organizar e a encontrar um pouco de paz.
- Sustentar a dor. Vou dizer mais uma vez: O fim do relacionamento dói. De maneiras diferentes para as pessoas envolvidas, com maior ou menor intensidade. Mas dói. É normal que seja assim. Permitir-se viver essa dor, dar-se um tempo para que ela esteja presente, faz parte da elaboração do luto. Se buscamos nos anestesiar da dor, podemos perder a oportunidade de assimilar os aprendizados que vêm com esse momento.
- Responsabilidade afetiva. Significa ter cuidado com os próprios sentimentos e os da outra pessoa em uma relação. Em finais de relacionamento, é comum a parte que toma a decisão de terminar não comunicar essa decisão e seus sentimentos de maneira clara e respeitosa. Muitas vezes, por não saber direito lidar com a dor que sabe que a outra pessoa sentirá. Esse não-saber costuma estar relacionado a dificuldades em lidar com a própria dor. E aí a pessoa tende a sentir-se culpada e procrastinar o fim, a “dar indiretas” para que a outra pessoa perceba, a torcer para que a outra pessoa resolva terminar por si mesma, e tudo isso acaba prolongando um sofrimento. Então, depois de discernir os próprios sentimentos e compreender que a dor precisa ser vivida, minha sugestão é de que os sentimentos e intenções sejam comunicados com clareza, amor e respeito. A outra pessoa merece, e você também.
- “Fazer um balanço” desse relacionamento. É o momento de despedida, não apenas da outra pessoa, mas também de uma parte nossa, de quem fomos quando estávamos nessa relação. Algo de nós fica para trás (e isso dói, o que traz de volta o ponto de aceitar e sustentar a dor). Mas também é o momento de olhar para o que levamos conosco, na nossa bagagem, que não tínhamos antes. Como esse relacionamento nos modificou, nos fez crescer, nos enriqueceu. E para fazer esse balanço, costuma ser necessário tempo, paciência (consigo e com a vida) e uma boa capacidade de introspecção.
Por último, quero propor que se possa olhar para esses fins de relacionamento em perspectiva, como parte da sua história. Quando tudo está acontecendo, ficamos muito enredadas/os na dor e em outros sentimentos envolvidos. Mas esse é um capítulo da sua jornada de vida, que continua. Termino esse texto com uma citação do belo livro O fim em doses homeopáticas[1], e te convidando para continuar essa conversa sobre cuidar de si e da própria história no texto Individualidade, conjugalidade e o fim do amor.
“Ressignificar os finais é compreender que existe uma vida inteira pra ser vivida, mesmo que a dor de algo ou alguém ainda more no coração”.
[1] O fim em doses homeopáticas, de Igor Pires, com ilustrações de Anália Moraes. Rio de Janeiro: ed. Globo Alt, 2020.
INDICAÇÕES:
Muitas das ideias que organizei nesse texto foram colocadas também na Live que fiz no Instagam com a querida colega e amiga Ana Martins, psicóloga, psicoterapeuta e contadora de histórias. Foi um papo bem legal. Se quiser conferir no Youtube, clique aqui.
Escrevi um texto há anos, sobre ciclos de vida-morte-vida. Está publicado aqui no Ser em Relação e tem tudo a ver com esse tema. Confira aqui.
Recomendo o livro do Igor Pires, O fim em doses homeopáticas. São textos poéticos organizados em quatro partes: começo, meio, fim e o fim depois do fim. Visto assim, o fim se insere no corpo das relações, o que é muito legal. E é lindo!