Sobre mulheres, lutas, cicatrizes e força

Por Juliana dos Santos Soares

08/03/2018

 

Com a aproximação do Dia Internacional da Mulher, não há como não se mobilizar para o tema do Feminino. A data, mais do que comemorar, propõe lembrar das lutas femininas por melhores condições de vida e de trabalho – sim, vivemos num mundo de grandes desigualdades de gênero, e boas conquistas já foram alcançadas nesse sentido, mas a luta é grande e constante.

Nossas lutas dão-se em variados contextos: Na nossa relação conosco, com nossa família e contexto social, nos relacionamentos amorosos, na relação com a maternidade, com a sexualidade, no contexto profissional, no nosso jeito de lidar com dinheiro, no nosso jeito de cuidar do outro… São muitos os desafios. São muitos e diários os combates e muitos deles deixam marcas.

Esse tema me lembra um capítulo específico do livro Mulheres que correm com os lobos, da Clarissa Pinkola Estés – livro que muito recomendo, a propósito. O capítulo chama-se “Marcas de combate: a participação no clã das cicatrizes”, e darei aqui um breve resumo.

Chorar as próprias dores, nos cuidarmos, fazermos parte de um clã

“Há oceanos de lágrimas que as mulheres nunca choraram por terem sido ensinadas a levar para o túmulo os segredos dos pais e das mães, dos homens, da sociedade, bem como os seus próprios. O choro da mulher sempre foi considerado muito perigoso, pois ele abre os trincos e os ferrolhos dos segredos que ela carrega. Na realidade, porém, para o bem da alma selvagem da mulher, é melhor chorar. Para as mulheres, as lágrimas são um princípio de iniciação para o ingresso no clã das cicatrizes, essa eterna tribo de mulheres de todas as cores, todas as nacionalidades, todos os idiomas, que no decorrer dos séculos passaram por algo de grandioso e que mantiveram seu orgulho”.

Clarissa Pinkola Estés

Guardamos segredos associados a dores (nossas ou da nossa família e/ou sociedade) por medo, culpa, vergonha. Alimentamos e compartilhamos a crença de que certos erros e “defeitos” não merecem perdão; de que, com certas características e histórias, não somos dignas de sermos amadas. A questão é que, quando engolimos o choro e enterramos um segredo, caímos naquilo que a Clarissa chama de zona morta, “um local que não tem sensibilidade ou resposta adequada aos acontecimentos contínuos da sua própria vida emocional ou aos acontecimentos da vida emocional dos outros”. É uma espécie de anestesia emocional, que nos leva a perder contato com a riqueza da nossa vida.

A recuperação da vitalidade vem através de quebrar o pacto de silêncio que nos joga para baixo. De contar esse segredo. Isso não é algo leviano, que se faça em qualquer circunstância. A revelação de um segredo é algo a ser testemunhado por pessoas compassivas, em condições acolhedoras e que inspirem confiança. Como com amigas, terapeutas, pessoas que se reconheçam compartilhando uma jornada de vida.

Quando se tem esse tipo de vivência, é muito comum que se descubra algo muito importante: Nós não estamos sozinhas. Muitas outras mulheres se sentem assim, ou de forma parecida – seus segredos podem não ser os mesmos, mas eles são segredos e envolvem sentimentos semelhantes. Todas carregamos marcas de combate, que dizem dos insultos, ofensas, traumas, feridas e cicatrizes que sofremos ao longo da vida. Somos parte do mesmo clã.

E assim podemos nos apoiar, cuidar umas das outras.

Podemos chorar as nossas dores, com consciência e contato profundo conosco. E sermos acolhidas, por outras e por nós mesmas.

Podemos nos cuidar com mais propriedade, ao descobrir que essas dores fazem parte da vida.

Podemos, do contato com nossa fragilidade, descobrir a grande força que mora em nós.

“Podemos chorar e chorar muito, e sair cobertas de lágrimas, mas não manchadas de vergonha. Podemos sair daí mais profundas, com o total reconhecimento de quem somos e plenas de uma nova vida”.

Se você tem a cara oportunidade de se reunir com outras mulheres e contar suas histórias, ser acolhida e acolher outras, que sorte! Mas ainda que não tenha, ou que não tenha ainda, que você possa olhar para as mulheres, nesse dia e em todos os outros, com um olhar bom. De gentileza, respeito, carinho. Mesmo não sabendo que dores aquela mulher carrega, é certo que caberia um “Eu também”.

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