Sobre compartilhar: Ser vulnerável e forte

Por Juliana dos Santos Soares

03/10/2017

No último texto postado aqui eu falei sobre lidar melhor com nossas dores emocionais (você encontra o texto nesse link). E ao final eu sugeri uma perspectiva, que inclui aceitar as próprias dores como algo inerente à condição humana (sem, no entanto, se acomodar a elas), falar sobre o próprio mundo emocional e buscar conexão com outras pessoas. Pois esse texto de hoje é para falar um pouco mais sobre o terceiro ponto: Construir pontes, não se isolar, como uma forma de lidar melhor com as nossas dores.

Falo da perspectiva de quem atende terapia de grupo, e por isso tenho o olhar treinado para perceber as pessoas em suas particularidades e naquilo que têm em comum. Em sua individualidade e em suas relações. E de uma coisa eu sei: Todas e todos temos, guardadas num lugar muito bem escondido, as nossas esquisitices. Aquelas partes nossas que não queremos que ninguém acesse, pois achamos que elas nos fazem muito diferentes (e na maioria das vezes piores) do restante das pessoas.

Até aí tudo certo; é nossa intimidade e precisa ser respeitada. Porém, muitas vezes nós trancamos a porta desse compartimento, por imaginar que se alguém soubesse o que tem ali dentro, não seríamos aceitos(as) e amados(as). A vergonha domina e o que é intimidade começa a virar segredo, e daí passa a prisão. É importante que saibamos que esse espaço do secreto, por mais que seja um lugar muito particular, é compartilhado por todo mundo. Todas e todos o temos, embora em cada um(a) ele seja de um jeito diferente.

Trabalhar-se em grupo

Grupo em ação

Como eu já disse (e digo sempre), valorizo muito os trabalhos terapêuticos em grupo. E aqui eu me refiro não apenas à Psicoterapia de grupo mas também a vivências, workshops (principalmente se conduzidos por profissionais habilidosos(as) nesse tipo de trabalho), grupos de apoio e ajuda mútua (como os AA’s, NA’s e tantos grupos de “anônimos”). E valorizo justamente por constituírem espaços de encontro consigo mesmo(a) e com o outro, em que frequentemente as pessoas constatam que “não estão sozinhas”, que “estamos todos(as) no mesmo barco”. Compartilhamos as alegrias e as dores da nossa condição humana.

Vou contar um pouco como acontece, em linhas gerais, um trabalho de grupo conduzido segundo o Psicodrama. Porque é a abordagem da Psicologia que mais norteia o meu fazer profissional e porque ela trata especificamente das relações entre as pessoas:

Uma vivência de Psicodrama é dividida basicamente em três etapas: o Aquecimento (em que as pessoas se preparam para entrar em contato com um tema), a Dramatização (em que ocorre a vivência propriamente dita, por meio da ação) e o Compartilhar, em que as pessoas presentes falam de como foram tocadas pelo que foi vivenciado.

Na dramatização, é comum que haja um(a) Protagonista: aquela pessoa do grupo que se dispõe a mostrar as suas questões, buscando ajuda para lidar com elas. Ao mostrar-se em sua vulnerabilidade, essa pessoa atua como porta-voz do grupo, pois as demais, ao assistirem e/ou participarem do seu trabalho terapêutico, acabam se identificando em algum ponto, acabam revisitando suas histórias e, muitas vezes, intuindo soluções para os seus problemas.

Na etapa do compartilhar, todas as pessoas do grupo são incentivadas a falarem de si, mas não do que acharam do que foi vivido ali. Elas compartilham sobre o que as tocou, sobre como se sentiram ao serem testemunhas daquele momento, sobre suas identificações, sobre as pontes que fazem com a sua vida e as suas relações. É nesse momento que fica evidente a nossa substância comum. Que o fato de nos sentirmos estranhos(as) não faz de nós uma exceção; somos parte desse grupo e não estamos sós percorrendo essa trilha da vida.

Então, o Compartilhar, no contexto do Psicodrama, me ensina que:

  • Junto do outro podemos nos “des-ensimesmar”. Nos desligar um pouco, saudavelmente, das nossas dificuldades, e olharmos para o horizonte em que cabemos todas e todos nós, com nossa maravilha e nossas dores.
  • Assim, ganhamos a possibilidade de dar um outro significado para as questões que estão nos afligindo no momento.
  • Mostrar as próprias vulnerabilidades, em contexto apropriado, não significa ser fraco(a). Pelo contrário, é um ato de força e coragem. É “ir primeiro”, abrindo caminho para que outras pessoas se identifiquem e se encorajem a ver e mostrar suas partes escondidas também.
  • Apesar de tantas circunstâncias e relações capazes de nos causarem mal, existem também espaços, relações e pessoas em que cabem acolhimento, pertencimento, amor.
  • Podemos receber esse acolhimento.
  • Mais do que isso, podemos ser o acolhimento, pertencimento e amor na vida de outras pessoas. Em trabalhos grupais, aprendemos a receber e aprendemos a dar de nós. E isso é um tremendo passo de crescimento e fortalecimento.

Penso que essas reflexões podem se aplicar a um monte de trabalhos grupais, e não apenas àqueles conduzidos na abordagem do Psicodrama. Como já expus, valorizo muito os trabalhos de grupo em geral. (É claro que tem coisas de qualidade duvidosa sendo oferecidas por aí, então cabe um pouco de referência e observação)

E se pudermos transpor esses aprendizados do contexto do grupo para nossa vida cotidiana, temos uma grande chance de lidar muito melhor com nossas dores emocionais e sermos mais felizes.

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