Psicoterapia de Grupo: Desnudando a Alma

 Este texto foi escrito em parceria por Ana Luiza Junqueira e Ana Martins

24/10/2017

Durante três anos fomos co-terapeutas em um grupo de psicoterapia que acontecia uma vez ao mês. Formado por clientes, todas mulheres, que havíamos atendido individualmente e apresentaram a necessidade e abertura para vivenciar a psicoterapia em grupo e, por meio dessa, catalisar o processo terapêutico.

No final de três anos decidimos encerrar o grupo, e uma das integrantes escreveu uma bela carta de despedida para todas. Suas palavras nos emocionaram profundamente por traduzir de maneira tão poética a rica experiência que é participar de um grupo de psicoterapia. Por isso, decidimos compartilhar.

Já queria deixar registrado que vou sentir muita falta do grupo e de vocês.

Agradeço pela generosidade da partilha. Pela confiança. Pelo auxílio na caminhada do processo terapêutico. Despedir desse grupo não será tarefa fácil para mim.

Vou sempre me lembrar da dificuldade imensa das primeiras sessões. Do sentimento de exposição. Ahhh! Essa dificuldade. Com o grupo descobri que existem vários tipos de nudez e a do corpo, talvez, seja a mais fácil de encarar. Difícil é desnudar a alma. Encarar sob a luz direta as cicatrizes e marcas que a vida deixa. As “celulites” e “estrias” que passo a colecionar ao longo da existência. Algumas provocadas pelo meu comodismo.

Sempre me lembrarei da dificuldade do início, de ter quase uma “ressaca moral” no dia seguinte do grupo. Uma ressaca que me roubava o humor.

A dificuldade da capacidade de escuta. De tentar compreender a dor da outra sem julgamento. Ou de simplesmente acolhê-lha na impossibilidade de compreendê-la.

A ânsia de dar algumas respostas que a mim pareciam simples e a descoberta que para a vida do outro a resposta parece óbvia, clara, enquanto para a minha própria…

Todos os rostos que passaram por esse grupo ficarão em mim marcados. Suas dores, suas dificuldades, seus amores. As imensas diferenças e as grandes semelhanças.

As Anas, especialmente. A Ana que não é minha terapeuta na individual. Recebi, algumas vezes, suas intervenções como um soco na boca do estômago. Mas hoje, acredito, para todas elas houve uma resposta emocional, corporal, intuitiva. Seu jeito direto, aberto, franco. É como entrar no mar. A gente toma um capote às vezes, pára na areia sem a parte de cima do biquini e com queixo ralado. Mas volta. E tenta ficar mais esperta para a próxima onda. Mas também se sente acolhido. Tá aí, Ana. Você é dona de uma franqueza marítima.

O grande barato do grupo talvez seja esse. Inicialmente, fui tomada pelo assombro de ouvir algo sobre mim mesma como crítica, observação, apontamento que, do lado de fora do “tubo de ensaio”, não ouviria. As pessoas me parecem ocupadas demais para serem francas umas com as outras. Ou desinteressadas. Ou receosas pelo medo do conflito.

O medo do conflito, que sempre me assombrou, hoje, ainda presente, está temperado pela sobrevivência do grupo e boa parte das relações que foram preservadas apesar do conflito e com ele. Assumir a falta de controle absoluto da relação – qualquer que seja – sempre feita de dois. Permitir sentir-me magoada, triste, com raiva. Sair do torpor socialmente permitido e aconselhado.

Não quero me despedir do grupo. Vou trazê-lo sempre comigo.

Mas desde já quero agradecer: por serem a “medida” através da qual pude me “medir”. O grupo serve a essa descoberta mágica: o outro é o metro, o litro, a balança através da qual a gente pode aferir o tamanho dos anseios, angústias, buracos, qualidades. É espelho, embora não seja igual.

Gratidão a todas presentes e ausentes desse grupo. Pelos conflitos e consolos. Pelo colo e pela queda. Talvez agora entenda que é preciso um empurrão do outro para fazer sentido a expressão “cair em si”.

Um beijo no coração de cada uma.

O depoimento revela o profundo potencial terapêutico de um grupo de psicoterapia. Cada integrante, portadora de uma história singular, é convidada a deixar o conforto das relações habituais e mergulhar nos desafios de um espaço de partilha honesta e segura. Reconhecendo e treinando, dessa maneira, suas habilidades empáticas. Os limites e possibilidades são experienciados a cada encontro num processo de construção e de desconstrução de preconceitos, valores e perspectivas. E é justamente por meio desses movimentos relacionais, ao mesmo tempo delicados e tensos, que os conflitos e crises inerentes ao crescimento são vividos e elaborados. Nesse momentos todas são co-terapeutas, auxiliando no processo de revelação, acolhimento e elaboração próprios da psicoterapia.

Somos gratas a todas que participaram deste grupo e construíram, de maneira generosa, rica e intensa, esta experiência terapêutica!

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