Autocompaixão e Psicoterapia

Por Juliana dos Santos Soares

13/07/2018

 

No último texto publicado aqui no Ser em Relação, eu falava sobre amor-próprio e sobre autoestima e autocompaixão. De acordo com Kristin Neff, pesquisadora sobre o tema, os três componentes da autocompaixão são: Atenção plena (mindfulness), Humanidade comum e Gentileza consigo mesma/o. Se quiser dar uma olhada nesse texto, clique aqui.

Hoje falo, aqui, das relações que vejo entre a autocompaixão, conceito relativamente novo para mim, e a Psicoterapia, meu fazer diário há mais de 15 anos.

 

Oito ou oitenta

A Psicoterapia é um recurso valioso no processo de autoconhecimento, superação de dificuldades e desenvolvimentos de recursos pessoais. A maioria das pessoas que procura esse recurso está, de alguma maneira, insatisfeita com algo em si e/ou na sua vida. Querem melhorar em alguma coisa.

Há duas posturas, aí, que eu considero ruins, porque empobrecem o processo. (Observação importante: aqui estou falando de posturas, e não das pessoas).

A primeira é a de quem procura a terapia para se sentir melhor com seus problemas e quer que as coisas melhorem, mas não deseja se envolver nessa mudança. Busca um grande colo, em que possa desabafar. Espera que a/o terapeuta lhe acolha, de preferência lhe dando razão e dizendo que as outras pessoas e circunstâncias é que devem mudar. É o acolhimento sem confrontação.

A segunda postura é a de quem procura a terapia para se aperfeiçoar. Quer mudar, mas relaciona essa mudança a correção. Como quando levamos um carro com defeito na oficina mecânica, para que o profissional faça alguns ajustes e o carro fique “tinindo”. Essa postura costuma estar alinhada com a autocrítica, e normalmente a pessoa espera que a/o terapeuta “pegue pesado” para que ela melhore. Tipo “No pain, no gain” (“sem dor, sem ganho”, frase tão usada nos treinos de atividade física). É a confrontação sem acolhimento.

 

Um ponto de equilíbrio

Eu gosto, já muito antes de conhecer o conceito de autocompaixão, de uma outra postura que considero mais alinhada com ela: a do equilíbrio entre acolhimento e confronto. Escrevi um pouco mais sobre essa visão no texto “7 dicas para você aproveitar melhor a psicoterapia” – para ler, clique aqui.

Fazer psicoterapia envolve o olhar para pontos de inadequação e sofrimento. Eu entendo que o processo flui muito melhor quando partimos da aceitação de quem se é e de como se está. Sempre que abordo esse tema em processos psicoterapêuticos a pessoa à minha frente acha estranho. Normalmente, porque nós confundimos aceitação com indulgência, acomodação. E se a pessoa quer mudar, pensa que não deve aceitar a forma como está! Não é por aí. Aceitar é admitir que as coisas são de uma determinada forma. Pelo menos nesse momento. E que, sim, elas podem mudar. A aceitação favorece o olhar para nós mesmos/as com clareza, nos conhecermos sem melindres, conquistando mais autonomia em nossa caminhada pela vida. Está intimamente relacionada com a atenção plena ou mindfulness.

A partir da aceitação, é possível fazer um movimento de transformação. Mais uma vez, penso que esse processo flui muito melhor se a pessoa não fica se criticando a cada vez que encontra algo que considera ruim. A dureza consigo mesma/o, ao invés de motivar para a mudança, oferece dificuldades para ela: toda vez que aparece algo incômodo, enfrentamos a tarefa de lutar com isso para, só depois, já desgastadas/os, agir na direção da mudança. A postura de gentileza consigo mesma/o é necessária e facilita as coisas. No processo de conhecer a si mesma, a pessoa vai olhar para si, querer fazer diferente, tentar, às vezes conseguir e às vezes não, tropeçar, cair no mesmo buraco, se frustrar, levantar, recomeçar… Acolher as próprias quedas com bondade é uma virtude e facilita muito o crescimento.

É claro que há confrontos na psicoterapia. Se há coisas que precisam ser modificadas, há que se desconstruir modos de funcionamento antigos, muitas vezes profundamente arraigados na pessoa, para reconstruir de forma mais adequada e feliz. Mas fazemos isso porque nos importamos e queremos ver a pessoa bem, com a intenção de cuidado, e não de correção com dureza, que muitas vezes joga para baixo ao invés de ajudar.

Com relação à humanidade comum, vou citar alguns trechos do texto “Sobre compartilhar, ser vulnerável e forte”, que publiquei aqui há um tempo. Ali está muito do que penso a esse respeito:

Falo da perspectiva de quem atende terapia de grupo, e por isso tenho o olhar treinado para perceber as pessoas em suas particularidades e naquilo que têm em comum. Em sua individualidade e em suas relações. E de uma coisa eu sei: Todas e todos temos, guardadas num lugar muito bem escondido, as nossas esquisitices. Aquelas partes nossas que não queremos que ninguém acesse, pois achamos que elas nos fazem muito diferentes (e na maioria das vezes piores) do restante das pessoas.

(…)

É importante que saibamos que esse espaço do secreto, por mais que seja um lugar muito particular, é compartilhado por todo mundo. Todas e todos o temos, embora em cada um(a) ele seja de um jeito diferente.

Eu vejo que processos ou atos terapêuticos de grupo ajudam muito a nos sentirmos mais “farinha do mesmo saco” com as outras pessoas.

E você? Identifica-se com alguma dessas posturas em sua caminhada de autoconhecimento? Faz terapia? Como encara o processo?

Eu penso que a autocompaixão, com seus elementos de atenção plena, gentileza consigo e senso se humanidade comum pode e deve ser incentivada na relação terapêutica, com perspectivas de muito crescimento!

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