Por Juliana dos Santos Soares
09/09/2020
Cena:
Uma pessoa está de frente para um balde – metáfora para o relacionamento amoroso. E se pergunta: Chuto o balde? Ou mergulho nele?
Volta as questões para o balde:
– Balde, o que tem aí dentro? Qual é a sua substância? Qual o estado dela? Líquida? Sólida? Pastosa? Eu posso confiar no que você tem a me dar?
Espera-se a resposta.
Com o recurso da inversão de papéis, o balde demonstra que apenas dá o que pode – e que não pode dar um sentido às indagações e dúvidas de sua interlocutora, não pode lhe dizer algo que acabe com sua insegurança. Ela volta a pedir:
– Eu preciso de mais. Preciso me sentir amada para me permitir ir mais fundo, com segurança.
Compartilho essa cena, construída e dramatizada na vivência “Vamos nos permitir”: sobre viver o amor em tempos líquidos, com a intenção de tecer algumas reflexões sobre nossa vida amorosa e a forma como experimentamos nossas ações nesse “mundão” dos relacionamentos (no final do texto eu vou contar como a cena termina).
Hoje, se comparado a algumas décadas atrás, gozamos de muito menos segurança, nas coisas da vida de uma maneira geral e também no amor. Se antes as escolhas, uma vez feitas, eram difíceis de ser repensadas (o que dava um caráter de solidez aos amores), hoje fazemos e refazemos escolhas com muito mais fluidez. Daí esse adjetivo de líquido, atribuído aos nossos tempos.
Gozamos de liberdade para ir e vir, para mudar de ideia. E liberdade é muito bom. Mas também traz consigo a tendência à angústia de não saber sempre o que fazer. A insegurança que sentimos é nossa, e muitas vezes a projetamos na outra pessoa, esperando que ela nos dê respostas, nos diga o que fazer, nos alimente com a segurança de que precisamos para tomar nossas decisões – chutar o balde ou ir mais fundo?
Então, respiremos.
Essa outra pessoa não pode decidir por nós. Não pode nos orientar sobre o que fazer – ela não tem esse poder. Apenas pode ser ela mesma, com suas seguranças e inseguranças, expectativas e amor, ao seu modo. E, só pra constar, nós muitas vezes estamos nessa posição, ou somos o balde, de outras pessoas também.
A segurança de que precisamos só pode vir de dentro. Do que sentimos e ousamos, em contato com o outro. É preciso coragem para, respirando, olhar para dentro. Reconhecer e nomear as próprias necessidades, alegrias e poder, medos e frustrações. Sem perder o contato com o outro – o que eu sinto na sua presença? E então, se for o caso, escolher dar um passo a mais. Mergulhar nesse balde, que pode crescer e se transmutar em banheira, piscina, lagoa, rio, mar. Explorar a substância de que isso é feito, junto com a outra pessoa.
Pode ser que em algum momento queiramos sair. Ou que a outra pessoa não queira mais ficar. Esse é sempre um risco, quando gozamos de liberdade. Quando o amor não é uma prisão.
Pode doer.
E pode ser que precisemos acessar / descobrir / alimentar em nós a capacidade de autocuidado, para curarmos essa dor com humildade, sabedoria, paciência e amor por nós mesmas/os. E, assim, seguirmos em frente no caminho do amor.
Agora eu vou contar como terminou a cena do balde, inclusive porque é uma linda ilustração desse movimento de autocuidado. Nossa protagonista foi estimulada a buscar, e encontrou, palavras e frases que precisava ouvir, para se sentir amada e segura. E passou a dizê-las para si mesma, escutando-as com os ecos do grupo. Surgiram: Eu te amo. Eu estou aqui com você. Eu te amo, mesmo quando você é líquida. Eu quero ter coragem para amar. Eu tenho coragem, mas tenho medo. Eu tenho medo, mas tenho coragem. Eu não vou desistir. Vamos nos permitir?
Imagem de 5598375 por Pixabay
Como as dramatizações o texto nos propicia reflexões… É nos sentindo amadas(os) que aprendemos amar-nos e a amar! Experiência fundamental!Sem que nos amemos inteiras(os) primeiro, luz e sombra, será um perigo mergulhar… no balde, no mar! Primeiro, mergulhar em “si mesmo”.
Obrigada, Juliana!
Que legal poder continuar a “conversa” aqui nos comentários, Dolores!
Verdade… Quando conseguimos mergulhar em nós mesmos, o mergulho junto com o outro se torna mais seguro – pra todo mundo, né?
Obrigada, pela partilha e inspiração!