Por Juliana dos Santos Soares
23/12/2020
Introdução para te situar: Escrevo este texto a partir de conteúdos que foram se revelando durante a jornada sobre relacionamentos amorosos Encontros & Desencontros, que aconteceu durante todo o ano de 2020. Aqui há movimentos e reflexões, tanto minhas quanto compartilhadas pelas pessoas participantes. No último mês o tema abordado foi o fim dos relacionamentos amorosos e dos nossos ciclos de vida, e construir esse escrito é uma forma de eu também elaborar o fim desse trabalho, do qual me lembrarei sempre. Escolho fazê-lo na forma de uma metáfora – era assim que finalizávamos os encontros do workshop terapêutico Era uma vez o amor, trabalho que antecedeu e inspirou este e que eu conduzi em parceria com a querida colega Ana Martins. Ao fim do ciclo, construíamos uma metáfora terapêutica para cada participante. Aqui, nossa protagonista não é nenhuma das pessoas específicas que percorreram esse caminho. Mas pode representar um pouco de cada uma delas, a quem muito honro e agradeço pela confiança e entrega. E tem muito de mim também.
Essa é a história de uma mulher em uma jornada de autoconhecimento e amor. Claro que essa mulher é muito mais do que vou apresentar aqui. Antes de nos conhecermos ela já tinha muito caminho percorrido em sua jornada pessoal e muita história pra contar, e nossos caminhos se uniram em um percurso de crescimento, tanto para ela quanto para mim.
Tudo começou com um convite que dizia: “Em 2020 suas relações amorosas vão ser bem diferentes”. Ela, sempre interessada em se conhecer melhor, acolheu o chamado e embarcou nessa aventura, sem imaginar que aquele seria um ano realmente muito diferente e desafiador. Logo nos primeiros passos do caminho nossa mulher se deparou com reflexões sobre o que é ser mulher e viver o amor, e junto com elas um olhar muito atento para o ideal de amor romântico – olhar que ela ainda exercitaria muito nos meses seguintes. Ela pensava sobre como homens e mulheres aprendem a amar no contexto de uma cultura, quando percebeu que não refletiria sobre isso sozinha. Estava acompanhada de outras mulheres e de poucos, mas corajosos homens que compartilhavam o seu desejo de crescimento. Olhar para os lados e se ver em companhia fez toda a diferença, e ela perguntou, a si e às/aos outras/os: “Afinal, o que é o amor?”.
Muita coisa era dita nos encontros e passos dessa jornada: muita troca de ideias, muitas leituras e muitas canções de amor. Nossa curiosa mulher construiu uma relação inspiradora com as músicas: aprendeu a escutá-las em melodia e letra, atenta às mensagens trazidas em cada uma delas – tudo contribuindo no seu caminhar. Ela compreendeu que há uma multiplicidade de visões sobre o amor, e que fundamental é desenvolver o autoconhecimento para discernir demandas e modelos sociais de suas próprias necessidades e, conhecendo-as, se responsabilizar por elas. Percebeu que exigir que outra pessoa lhe fizesse feliz seria um engano, e que para amar com todo o coração é preciso muita coragem.
Mais alguns passos e nossa inspirada mulher visitou memórias de sua história familiar, observando o modelo de amor aprendido ali e como isso influenciava sua maneira de amar no presente. Ficou sabendo que há padrões que normalmente se repetem, e que isso não precisava se perpetuar na sua vida. Novamente notou a presença de suas/seus companheiras/os de jornada, também olhando para suas histórias de vida, e se sentiu pertencente e encorajada. Concluiu: “Estou percorrendo o caminho, apesar das dificuldades com o amor e a entrega”. E se perguntou: “Qual é a minha forma de amar?”.
As histórias pessoais começaram a ganhar mais espaço a cada passo desse percurso, sendo compartilhadas em grupo. Entrar em contato com essa humanidade comum trouxe conforto e emoção à nossa corajosa mulher, que percebeu que há muitas e muitas formas de amar. Que aquele ideal de amor romântico, para o qual ela começou a olhar com mais cuidado no início dessa história, é só uma forma, e que o amor vai muito além. Além da paixão, atravessando fases e ciclos de vida, se revelando e acontecendo de múltiplas maneiras. Ficou forte para ela a importância de equilibrar expectativas e realidade, bancar suas escolhas, valorizar a si mesma naquilo que consegue viver e respeitar as diferenças.
A profundidade de partilhas e reflexões do nosso grupo de caminhantes só aumentava. Lá pelo meio do caminho, nossa emocionada mulher e sua turma passaram a não somente contar suas histórias de vida e amor, mas a criar juntas/os novas histórias, a vivenciar novas cenas, lançando-se nelas e permitindo que lhes mostrassem algo novo sobre si mesmas/os. Houve uma vez em que a história era sobre viver o amor com liberdade. Nossa respeitosa mulher se perguntava: “Com tantas possibilidades no amor, será que chuto o balde e faço tudo do meu jeito? Ou mergulho nesse balde de vez?”. Nesse capítulo da história, ela percebeu que precisava se responsabilizar por suas escolhas e amar a si mesma.
Teve uma história sobre limites. Nossa amorosa mulher notou que, em sua história familiar, tinha exercido um papel muito especial, como uma estrela que iluminava as pessoas amadas ao seu redor. E que, por mais lindo e especial que isso parecesse, aquele brilho era pesado! Muitas vezes lhe colocava em situações de abuso. Foi muito difícil colocar os tais limites, abrir mão desse lugar tão especial, mas quando ela olhou ao seu redor e mais uma vez percebeu que não estava só, corajosamente se assumiu como uma pessoa, apenas mais uma pessoa entre outras pessoas.
Isso fez com que nossa tão humana mulher se sentisse um pouco apagada. Ela percebeu o quanto a vida real, com suas muitas responsabilidades e papéis assumidos, tinha lhe sobrecarregado. Já não tinha o mesmo brilho de outros tempos, e visualizou-se sem brilho algum. Mas também reconheceu que essa constatação marcava o início de um novo caminho. Precisava voltar a brilhar, mas de uma forma diferente, mais sossegada, com menos holofotes e mais equilíbrio. Nesse ponto do caminho, nossa gregária mulher via os sentimentos e descobertas que surgiam nesse caminhar lhe fortalecendo e se transformando em ações, que ela multiplicava em sua vida e seus relacionamentos. E lhe veio a inspiração, mais uma vez musical: “Gente é pra brilhar (em afetos), não pra morrer de fome (de vínculo)”.
É chegada a hora de finalizar nossa jornada. Ao olhar para o percurso, nossa maravilhosa mulher e sua turma se lembram de outras despedidas já vivenciadas. Viver e reinventar esse momento faz com que o fim, já entendido como amargo, ganhe outra roupagem. Ela reconhece sua trajetória e sente-se grata. Vê que a esperança, que muitas vezes direciona nosso olhar para reviver os bons momentos das relações e da nossa história, pode ser ampliada e nos mostrar o bom que ainda está por vir. Despede-se, amorosamente, da mulher apagada e exausta que há em si: agradece por ter lhe trazido até aqui, lhe dando forças para tantas conquistas importantes. É tempo de prosseguir de outra maneira. A mulher apagada se vai. E como, parafraseando o Milton, a hora da despedida é também encontro, ao olhar para frente nossa querida e saudosa protagonista, tendo todas/os nós como testemunhas desse momento, faz nascer uma nova mulher.
Linda jornada… Compartilhando nossas histórias e todas de amor, sem dúvida a clareza nos relacionamentos é ampliada e as possibilidades de vivermos com “os pés no chão e amor no coração” se concretizam! Gratidão pela oportunidade de partilhar e compartilhar seu trabalho e seus textos!
Queridíssima Dolores,
Sua parceria foi um dos maiores presentes nessa caminhada. Uma grata aproximação que muito contribui para minhas reflexões e, certamente, de todas as pessoas participantes também.
Gratidão!
Beijos