Por Juliana dos Santos Soares
22/06/2011
Há canções que nos dizem coisas essenciais à vida e ao coração. O belo Samba da Bênção de Vinicius de Moraes é uma dessas preciosidades. Um de seus tão significativos versos diz: “A vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida”. Encontrarmo-nos de verdade com alguém é muito mais do que compartilhar tempo e espaço, é de fato uma arte que nos faz mais fortes, mais humanos e mais autênticos no decorrer da nossa existência. Junto com outra pessoa nos deparamos não só com ela, mas conosco; temos oportunidade – se tivermos a coragem e sensibilidade da observação – de dar-nos conta de como somos na relação com o outro, no nosso melhor e no nosso pior.
Quem nunca teve essa vivência de estar junto e simplesmente ser o que se é, vendo o outro como ele é também? Num momento fugaz sentimos – e não sabemos explicar racionalmente – que as fronteiras entre o Eu e o Tu se dissipam, que é como se fôssemos um só. Depois isso passa – normalmente num lampejo – e seguimos em nossa individualidade, com a sensação de que fomos tocados na nossa alma…
Porém, já disse Vinicius, há tanto desencontro pela vida… Estamos focados no quanto produzimos, no poder que temos e no que possuímos. Cruzamos com as pessoas ao nosso redor, mas não nos relacionamos com elas. O filme Crash – No limite, de Paul Haggis (2004), faz uma bela descrição da nossa realidade cosmopolita e tem uma fala muito especial nesse sentido: “Em Los Angeles ninguém te toca. Estamos sempre atrás do metal e do vidro. Acho que sentimos tanta falta desse toque que esbarramos uns nos outros só para sentir alguma coisa”. “Encontramo-nos” com dezenas, centenas de pessoas no espaço virtual – nossos “amigos” das redes sociais – mas quantos deles nós sabemos quem são de verdade? As relações amorosas são efêmeras – conhecemos pessoas, ficamos com elas, compartilhamos vivências e nossos corpos, mas quem são esses com quem estamos? Já ouvi histórias de pessoas que mantiveram um relacionamento amoroso por meses, às vezes anos, e ao reencontrar o “ex”, depois de terminados, não o reconhecem, perguntam-se: “o que é que eu estava fazendo com ele, mesmo?”. Assim consumimos relações, consumimos pessoas, e acabamos consumindo nossas vidas numa inquietação que pouco contribui para que sejamos melhores seres humanos. Se muitas vezes estamos distantes até do nosso interior, o que dizer de nos aproximarmos verdadeiramente do outro?
La Tierra, 1957
Essa escultura do chileno Tótila Albert (1892 – 1967) retrata bem Encontro de que falo (La Tierra, 1957). A peça dá ensejo a várias leituras simbólicas e espirituais, muito mais do que caberia nesse texto. A essência do que quero ilustrar com ela é a relação entre essas duas pessoas – que não necessariamente são um homem e uma mulher, mas podem representar o Masculino e o Feminino em nós – que se unem, mas mantêm a sua individualidade. Estão em equilíbrio, como numa dança de aproximação e afastamento de forças. Juntos, mas podem se separar a qualquer momento, sem deixar de ser quem são. Assim são os verdadeiros Encontros Existenciais que nos conduzem ao crescimento: estamos inteiros com o outro, entregues ao momento e ao final dele continuamos em nossa caminhada mais fortalecidos em nosso Ser. Podem acontecer com amigos, parceiros amorosos, colegas de trabalho, entre terapeuta e cliente ou mesmo numa conversa informal com um antes desconhecido.
Essa foi também a ideia inspiradora da logomarca Ser em Relação: uma ciranda que precisa das pessoas para que funcione, ou seja, um grupo; e ao mesmo tempo cada círculo compõe um indivíduo que faz seu próprio trabalho, no caminho do autoconhecimento. Moreno tem um poema, Divisa, também conhecido como Convite a um Encontro, que faço questão de compartilhar aqui:
Um encontro de dois: olhos nos olhos, face a face.
E quando estiveres perto, arrancarei teus olhos
E os colocarei no lugar dos meus;
Arrancarei os meus olhos
E os colocarei no lugar dos teus.
Então ver-te-ei com os teus olhos
E tu me verás com os meus.
Assim, até a coisa comum serve ao silêncio
E o nosso encontro permanecerá meta sem cadeias:
Um lugar indeterminado, num tempo indeterminado,
Uma palavra indeterminada para um homem indeterminado.
E finalizo com um outro convite, à CORAGEM. Coragem de, quando “esbarrarmos” com alguém, nos permitirmos estar presentes e inteiros naquele momento, sem máscaras, nos vendo como somos e encontrando o outro como ele é. Um convite a crescer, juntos. Será que é possível?
Clique aqui para saber mais sobre Tótila Albert (em espanhol, mas vale a pena).
Maravilhoso este texto que inspira muita reflexão…..! Que conteúdo riquíssimo..!.. compartilho inteiramente das ideias contidas….!”então ver-te-ei com os teus olhos e tu me verás com os teus”…. Que beleza rara de raciocínio..!👏🏽👏🏽👏🏽👏🏽
Obrigada por compartilhar as ressonâncias do texto em você, Luiz Sergio!
Seguimos nos encontrando.
Um forte abraço!
OBRIGADO PELO TEXTO, COMPARTILHADO NO MEU PROGRAMA NA RADIO. SHOWW
Que lindo, Gilberto!
Fico feliz que, por meio de você, o texto alcance também outras pessoas.
Isso é fluxo de criação e coletividade, um bom encontro!
Obrigada!