Por Juliana dos Santos Soares
17/09/2019
Cena:
Um pequeno grupo de pessoas que exercem a função de cuidadoras, num círculo fechado e muito forte. Na medida em que essa ciranda gira, saem dela frase como: “eu tenho que dar conta”, “estou cansada mas tenho que dar conta”, “eles precisam de mim”, “Deus não descansa”, “eu não posso falhar”, “tenho que estudar mais”… Entra em cena, silenciosamente, a figura da falta, e sua presença assusta as pessoas num primeiro momento, mas lentamente algumas se aproximam dela e aquele círculo aparentemente forte começa a se desfazer. Cada uma, ao chegar perto dessa personagem, pergunta a ela (e a si mesma): “Falta, quem é você?”. E a falta de cada uma responde: “Eu sou o medo de dar tudo errado”; “eu sou a inexperiência”; “eu sou a insegurança”; “eu sou aquilo que você não quer ver”…
Essa cena foi construída e dramatizada na vivência “Ser psi: cuidar de si para cuidar do outro”, conduzida por mim e pela Anna Cláudia Eutrópio por ocasião do dia da/o psicóloga/o em 2019. Ela nos leva à reflexão da potência que a falta tem na nossa vida. Essa falta com a qual evitamos entrar em contato a todo custo, numa cultura que valoriza a imagem da felicidade completa, da performance, da superação de limites, da plenitude…
A ideia de plena experiência, de viver sem dúvidas ou dificuldades, de ter que ser infalível para ser capaz de cuidar de alguém é uma fantasia onipotente que não se sustenta na realidade. A falta faz parte da condição humana. E um ser humano que cuida de outros seres precisa, sim, estar forte; mas forte também para reconhecer as próprias necessidades e, a partir daí, atendê-las. Longe de ser uma fraqueza, essa é uma força que inclui a fragilidade.
Compartilhando depois da cena dramatizada na vivência, as participantes relataram uma intensa sensação de relaxamento corporal quando a falta se fez presente. Um poder descansar e, ao mesmo tempo, viver mais plenamente. Olhar para as próprias faltas não é algo que enfraquece, pelo contrário. Ao final, estávamos todas revigoradas.
E é assim. Mesmo quando se alcança um lugar de segurança e experiência na vida, a inexperiência sempre surge, porque a vida felizmente nos apresenta situações e desafios novos. E aí aparece o “não sei”, a falta, às vezes o vazio. E tudo bem. É isso que nos impulsiona a buscar experiências novas, que alimenta a nossa criatividade, que de alguma forma nos faz reinventar a vida. O vazio pode ser um lugar difícil, mas é também um lugar fértil.
Para inspirar mais sobre esse tema:
A falta que a falta faz: Nesse vídeo, a Jout Jout faz uma leitura comovente do livro “A parte que falta”, de Shel Silverstein (publicado pela Companhia das letrinhas):
O poder da vulnerabilidade: Palestra da Brené Brown. Brené tem ótimos livros publicados e um especial na Netflix que eu gosto muito e recomendo, mas essa palestra é tocante. De tempos em tempos eu a assisto para me inspirar (Obs.: ative a legenda):