Por Juliana dos Santos Soares
17/11/2020
Esse texto nasce a partir da jornada Encontros & Desencontros sobre relacionamentos amorosos, que no mês de outubro de 2020 teve como tema “Família, família”: Relacionamentos amorosos quando temos filhos/as. A principal direção das reflexões que compartilhei sobre o assunto, até aqui, foi sobre as mudanças que se impõem em nossa vida amorosa quando passamos da condição de casal para a de pai e mãe, com esses papéis se sobrepondo e integrando[1]. Essa é uma realidade para muitas pessoas e famílias, mas devo confessar o meu incômodo em tratar do tema sem dar a devida atenção para a diversidade dos nossos modelos familiares. E é a essa ampliação do olhar que me proponho e te convido, aqui e agora.
Trago a inspiração de um material que achei muito bom, organizado pela 65/10 e pela Contente: o relatório de tendências “Pelas famílias brasileiras”, de 2019, que você pode conferir aqui (e eu recomendo muito que faça isso, está muito bem organizado e bonito). Podemos perceber, ali, como esse modelo de família tradicional, formado por pai, mãe e filhos/as, é um modelo idealizado – assim como a idealização do amor romântico, da qual falo com certa frequência por aqui. Embora seja um modelo válido e importante, ele hoje já não representa a maior parte das famílias brasileiras, segundo levantamentos feitos pelo IBGE, e portanto não pode ser tomado como uma referência única de família “normal”.
Vejamos os 6 tipos de família mais comuns apresentados:
- Família hétero com filhos/as – a “tradicional família brasileira”: Corresponde a 42,9% das famílias, tendo essa porcentagem diminuído cerca de 15% em 10 anos.
- Famílias reconstituídas – em que os/as filhos/as vivem com pai ou mãe e madrasta ou padrasto: 16,4% das famílias hétero com filhos. Essa configuração familiar vem de uma aceitação de que casamento não é “até que a morte os separe”, que há continuidade no amor e novas possibilidades.
- Casais sem filhos/as por opção: Corresponde a 19,9% das famílias, sendo o segundo tipo mais comum. Esse tipo de arranjo nos mostra que a maternidade e a paternidade são entendidos cada vez mais como construções sociais e não como destino biológico, possibilitando escolhas.
- Mães solo – mulheres que criam a prole sem o apoio de um parceiro: 16% das famílias. Esse número aumentou em um milhão entre 2005 e 2015 e na grande maioria dos casos não é fruto de opção. Ainda pesa sobre essas mulheres um grande estigma social. (Observação: apenas 3% das famílias brasileiras são formadas por homens e seus/suas filhos/as, os pais solo)
- Família unipessoal – pessoas que moram sozinhas: 14% das famílias, sendo em sua maioria mulheres (50,3%) e idosos/as (63%).
- Família homoafetiva, com ou sem filhos/as: devido à homofobia, não se sabe o número exato dessas famílias no nosso país. Mas, segundo o IBGE (2015), 58 mil casais se declaram homossexuais, sendo que 13% desse número se declara casado e 53% são mulheres.
Bom, dá para visualizar nitidamente que nossas constituições familiares são diversas. E tendem a ser, cada vez mais. Já não vivemos mais o tempo em que apenas um modelo de família podia ser considerado saudável. Pelo contrário, as mudanças sociais que vimos atravessando, especialmente nos últimos dois séculos, nos apontam caminhos de liberdade, de podermos construir nossa vida e nossas relações de forma que sejamos mais felizes. Do jeito que for, desde que seja com amor e com respeito. E o ter filhos/as, tema das nossas reflexões do momento, cada vez mais pode ser visto como uma escolha, e não como imperativo ou condição para a felicidade. Existem outras formas de amadurecer o amor. E existem muitas formas de exercer a parentalidade, se essa é uma escolha consciente.
Sabemos, também, que há todo um movimento de resistência a essas mudanças e conquistas: tentativas de retorno a uma forma de organização social em que amores e famílias cabiam em “caixinhas”. Não é mais possível. Precisamos seguir em frente, e seguimos.
Todas as famílias, e todas as organizações familiares, enfrentam problemas. Isso é da nossa vida, de seres humanos e de sociedade. Que possamos viver esses desafios, tanto em nível familiar quanto social, sabendo que faz parte. Crescendo em amor, atenção e força. Respeitando a diversidade em nós e sendo presença amorosa e corajosa no mundo.
[1] Isso rendeu o texto Ter filhos/as e a possibilidade de amadurecer o amor.