Por Juliana dos Santos Soares
24/08/2011
“Há um menino, há um moleque,
morando sempre no meu coração”
Milton Nascimento e Fernando Brant
Leveza, despreocupação, fantasia, imaginação, brincadeira. Essas são palavras que a maioria de nós associa à infância. Outras palavras, com outro significado, também muito ligadas a esse período da vida são sofrimento, vergonha, trauma, injúria, revolta… Seja qual for o sentido que cada pessoa dá à sua infância, fato é que ninguém se torna adulto sem passar por ela e, mais do que isso, sem guardar fortes impressões dessa fase, impressões que nos impactam para o resto da vida e colorem de significado a maneira como vivenciamos nossa realidade. Todos carregamos dentro de nós uma criança, que influencia de maneira tão forte a nossa vida adulta que ouso dizer que essa criança nos rege. E muitos de nós frequentemente nos esquecemos dela, deixando-a sem atenção ou cuidados.
A criança é dotada de valores que normalmente deixamos para trás à medida que crescemos. Ela depende da proteção e cuidados dos adultos ao seu redor para crescer em segurança e com saúde. É frágil, vulnerável, e essa condição impõe-lhe a necessidade de confiar que receberá aquilo de que precisa, ter fé em que as coisas darão certo. É claro que nem sempre ela tem satisfeitas todas as suas necessidades e desejos – a criança começa a se frustrar, o que é natural. Há momentos em que ela se vê muito fragilizada, ferida e confusa, e então acessa a sua Espontaneidade para “dar um jeito” na situação e sobreviver emocionalmente, tocar sua vida em frente da melhor maneira que consegue. Mas fica marcada, muitas vezes cresce limitada a essa resposta que espontaneamente criou numa situação de estresse ou ameaça, usando sempre a mesma estratégia em momentos em que se vê acuada pela vida. E o adulto que surge daí tem dificuldades em enxergar que existem outras formas de resolver os problemas.
Na medida em que adentramos o mundo adulto substituímos aquelas características infantis – curiosidade, criatividade, leveza, inocência e essa fragilidade e confiança das quais falei há pouco – por valores que a sociedade nos vende e nós também criamos. Passamos a dominar o mundo das ideias e dos números e nos sentimos seguros com a estabilidade (não é assim que falamos?) que o dinheiro, um bom trabalho e uma boa imagem trazem. OK, essas coisas são reais e muitas vezes necessárias… O grande problema é que elas acabam se tornando mais do que uma parte da vida, passam a ser valor insubstituível, ganhando a dimensão de prisão. E nós vamos nos afastando daquela magia vivida na infância, da sabedoria da criança interior, afastamo-nos do nosso verdadeiro Eu. Acreditamos que todas as coisas são controláveis com o nosso intelecto e perdemos a fé em que o mundo pode nos nutrir de coisas boas.
Na maior parte das vezes a solução para esse distanciamento de nós mesmos – assim como para tudo na vida – está nas coisas simples (e acho que as crianças sabem disso…). Uma das ações mais terapêuticas – no sentido de trazer cura – que eu conheço é encontrar, acolher e cuidar dessa nossa criança interna, como acontece no filme Duas Vidas (Jon Turteltaub,2000). Nele, Russ (Bruce Willis) é um homem de quase 40 anos que um dia recebe a visita de Rusty (Spencer Breslin), ele mesmo aos quase 8 anos de idade. Nesse encontro o adulto pode ter um novo olhar sobre algumas feridas do seu passado, relembrar seus sonhos infantis e entrar em contato com quem é, essencialmente. É um filme que vale a pena ser assistido por todos! Uma pena eu não ter encontrado o trailer legendado, mas vai aqui o link do trailer em inglês…
Fica então o convite para integrar internamente esse Eu infantil, aceitar essa criança do jeitinho que ela é, levá-la para fazer programas que sejam do seu gosto, escutar com maturidade os seus chamados, acalentá-la e cuidar das suas feridas, dando-lhe a segurança de que precisa, e deixar que ela também lhe ajude a se lembrar das coisas simples e ótimas que ela bem conhece. É um excelente caminho para o autoconhecimento e o equilíbrio.
Maravilhosa a reflexão sobre a criança dentro de cada um de nos. Parabéns!
Obrigada, María Leda!
Fico feliz que tenha gostado.